São Paulo, 20 de Outubro de 2023
Ex-amor,
Faz tempo, não é? Nunca imaginei que o procuraria por vontade própria e, na verdade, não o faço por vontade. É que, há algumas horas, tive um momento de iluminação, como se uma peça que faltava em um grande tabuleiro tivesse sido colocada, e a imagem geral, finalmente, ganhado sentido.
Você sabe que tenho o costume de repassar atitudes, palavras e sentimentos mentalmente, até que façam sentido, até que descubra o que as situações querem me dizer. Muitas vezes, consigo chegar a alguma conclusão; outras, não. Mas hoje, enquanto fazia nada (lavava uma louça), me dei conta de que venho te escolhendo de novo e de novo e de novo…
Pois é, acabei de perceber que, em cada encontro que tive, depois de você, você estava lá, por trás de um comentário bem-intencionado de que não ficaria bem eu fazer tal coisa, pois as pessoas iriam falar, ou uma sugestão preocupada com aquilo que me cai melhor, afinal, determinada roupa não combina com a minha idade, nem batom vermelho, não é? “É um tanto provocativo”, você dizia.
Sim, você estava lá quando, docemente, sugeriram que eu expunha meu corpo demais na internet, que eu parecia estar atrás de likes; quando disseram, em tom amigável e professoral, que era melhor ficar calada, pois uma mulher de opinião afugenta os homens e que falar palavrão não combina nada com esse meu rostinho lindo.
Quando, preocupado com o meu bem-estar, alguém aconselhou que eu procurasse um esporte menos “arriscado” para praticar, você estava lá; todas as vezes em que um homem, ao saber que moro sozinha, se sentiu “convidado” a fixar moradia em meu espaço, era você. Agora, eu vejo… E, porque vejo e porque sei que, se as coisas se repetem, é porque precisamos “ver”, no sentido de entender algo, é que venho até você: O que você ainda tem para me dizer? O que é que eu ainda não vi e que preciso enxergar para que você se vá? Onde é que eu estou me perdendo? Me mostre de uma vez! Por favor…
Lúcia

