Em algum lugar inóspito, 16 de fevereiro de 2023

Lua em Capricórnio

Escrevo para dizer que cheguei após alguns contratempos: peguei o trem errado na estação e fui para um lugar mais além. Tive que fazer o caminho inverso e, com isso, perdi um tempo precioso.

Aqui, sou estrangeira. Não falam a minha língua e sequer se esforçam para me entender. A comunicação está muito difícil. Estou hospedada em um velho chalé que parece estar em pé por pura teimosia, à revelia do tempo. Às margens da estrada, do nada, do pó, só tenho a companhia das cabras que avisto, ao longe, nas montanhas pedregosas. São fortes e determinadas, as cabras.

Agora, amanheceu. Não consegui dormir. O chão duro é mais confortável do que a cama. A água do banho é pouca e fria e o café que tomo enquanto escrevo tem sabor de amargura. 

Para as refeições, encontrei raízes, talos e um pão sem miolo. Provavelmente, é o melhor que podem me oferecer. Tudo aqui é seco e escasso, opaco e triste. Observo as cabras batendo o casco contra o chão em busca de raízes. São valentes, as cabras. Penso que a vida insiste, ainda, por causa delas. Porque elas resistem, às turras, por birra ou por capricho. E a vida não tem escolha diante de tal obstinação, a não ser vingar.

Durante o dia, elas sobem a montanha de paredes indecentes, de tão íngremes; sobem contrariando todas as probabilidades. Mas, quando a noite chega e o céu se veste do brilho profundo das constelações, é que se entende a determinação das cabras: é que ali, no topo da montanha, elas podem tocar as estrelas.

E.

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