Lua Algorab oposta a Júpiter em Áries
Meu senhor Apolo,
Trago notícias dos últimos julgamentos, em especial de uma dama a quem conheço bem. A primeira vez que a encontrei foi numa manhã fria, no parque. O nevoeiro se dissipava conforme a luz e calor do sol ocupavam o horizonte e eu estava pousado numa árvore ali perto. Ela pôs-se em pé sobre grama úmida e ali permaneceu por um longo tempo, imóvel, contemplando o lago. Tinha um olhar sereno de quem conhece o peso do tempo e a leveza do amor. Os cabelos, muito brancos e longos, presos displicentemente numa trança, caíam-lhe sobre um dos ombros. Suas vestes negras ondulavam com a brisa fresca. Foi uma visão encantadora. Havia algo familiar naquele semblante, algo que me seduzia.
A partir de então, esperava por ela todas as manhãs. Antes de partir, ela voltava seu rosto em minha direção e lançava-me um olhar cúmplice de despedida.
Alguns dias, curioso, segui-a e acompanhei-a, atento à sua rotina: colher ervas, preparar chás, receber pessoas doentes, fazer emplastros e rezas. Foram dias encantadores ao seu lado.
Porém, depois de hoje, não a verei mais. Os homens que a julgaram têm medo das medicinas das mulheres. Condenaram-na ao fogo, sem saber que justo pelo fogo é que ela será purificada. São tolos.
Por causa deste evento, meu senhor, aproveito o envio desta, para solicitar alguns dias de dispensa das minhas funções e me recompor. Os homens estúpidos que proclamaram a sua sentença não têm coração, mas nós, os corvos, temos.
Sem mais, subscrevo-me.
Al

