Lua Alcyone em Gêmeos, Marte em Virgem

São Paulo, 13 de Julho de 2023

Laura

Você viu a história do rio que, de tão sujo, começou a pegar fogo ontem? Parece que nada se salvou. As águas estavam tão intoxicadas pelos óleos das fábricas que queimaram toda a vida do rio. Essa história me tocou profundamente, pois você sabe da minha relação com as águas. É nos rios que a vida do corpo e da alma tem início. São os rios que representam o fluxo de pensamento, nossa criatividade, nosso impulso de realização. Fiquei imaginando se meus fluxos de criatividade não andam assim, como o rio que pegou fogo: poluídos e inertes. Desde crianças, somos socializadas para performar um feminino irrealizável: da mulher pura e amante, da mãe que cuida dos filhos como se não trabalhasse fora e que trabalha como se não tivesse filhos. Temos que estar disponíveis, bonitas, dóceis e atentas às necessidades de todos à nossa volta. E, se ousamos solicitar um tempo para a nossa alma criativa, somos logo julgadas e colocadas novamente dentro da nossa caixinha-modelo.

Há muito tempo, abandonei esses papéis e você sabe o preço que pago por essa ousadia. Mas os bombardeios diários à nossa autoestima, as mensagens de que somos insuficientes, menos bonitas do que deveríamos, menos competentes do que gostaríamos, imperfeitas, fracas e indesejáveis são tão incisivos que, às vezes, me pego imaginando se todas essas vozes não têm alguma razão. É difícil lidar com as inseguranças que nos são impostas. 

Tenho chorado muito desde ontem, amiga, pois reconheci, naquele incêndio, a minha própria vida criativa e, também, as de todas as mulheres, sufocadas pelos afazeres vazios e robotizados de todos os dias. Sem tempo para serem elas mesmas, para cuidarem da própria alma.

Assim como Alcyone, que chora porque perdeu seu amado, eu choro, porque não nos deixam existir completamente.

Porém, diferente de Alcyone, minhas lágrimas me fortalecem na medida em que escorrem de meus olhos e me ajudam a dragar o rio à procura da vida da minha alma, das nossas almas.

Saudades

Anne

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