São Paulo, 28 de Julho de 2023
Primo querido,
Tenho pensado na sua trajetória na gastronomia e lembrado dos domingos frenéticos no Jardim do Sol:
O avô recebendo e atribuindo funções a quem chegava, e a avó na cozinha, como sempre, ajudada por algumas tias.
A comida da avó não tinha gosto. Apesar de farta em quantidade, era tudo ralo, aguado e sem tempero: desde o feijão preto, passando pelo arroz quebrado de segunda classe, até as sobremesas, que eram sempre gelatina colorida molenga ou manjar de coco feito com água, ao invés de leite.
A cozinha não era o forte dela, mas acho que era o jeito dela amar as pessoas. Nas panelas, ela fazia magia para alimentar os dezesseis filhos, mais os agregados e um sem-número de netos.
Quando me lembro da avó, é sempre nos mesmos cenários: a cozinha e a fogueira no fundo da casa, onde havia um grande tacho de fazer sabão. Não me vem à lembrança a avó descansando, sentada à mesa… Só a avó cortando os alimentos com precisão, mexendo as panelas numa cadência religiosa, as mãos firmes descarnando ossos e o giro do cilindro amassando o pão.
Ela zelava pela exatidão das medidas, pelo aproveitamento das sobras e era paciente com as cocções lentas. Para conseguir alimentar o seu bando, o ritual devia ser seguido à risca.
Acho que era no fogo dos cozimentos que ela depurava o seu viver, pois não me lembro da avó feliz ou triste, sorrindo, dançando ou em lágrimas.
Acho que era a sua vida, resiliente e sem tempero, que nos era servida aos domingos.
Sebastiana