Mercúrio retrógrado em Capricórnio

São Paulo, 13 de dezembro de 2023

Vovó,

Não contei antes, porque não sabia se daria certo e porque pensei em fazer uma surpresa. Estou trabalhando em uma peça de crochê . É um trabalho audacioso, que começou pequeno, sem pretensões. Só que, agora, tornou-se ambicioso. A primeira ideia era treinar os pontos, os aumentos e as diminuições, entender o processo, a tensão da linha e o tempo de cada carreira. Mas logo percebi que havia uma forma surgindo e decidi segui-la.

Vovó, é uma manta, o que estou tecendo. O fio é o que estava disponível. Não é o mais bonito, mas é resistente. Tem cor de pedra e brilha um pouco conforme a luz incide. Também não o tenho em abundância, e isso me faz controlar o uso cuidadosamente.  Peguei gosto nesse trabalho, justamente, por ter que trabalhar com o mínimo e com o essencial, coisas que aprendi com a senhora. Agora, chegou a hora da revisão. Um trabalho tão fino, tão delicado e com tanto respeito ao tempo deve ser revisado a cada etapa. Não pode haver desperdício de fio. Não pode haver pontos em dobro. Não pode haver aumentos ou diminuições por engano.

É preciso revisar os pontos do crochê como é preciso revisar a tecitura da vida. Se houver erro, voltamos, desfazendo toda a carreira e o corrigimos. Começamos de novo, se for preciso. Se o ponto do começo estiver frouxo, voltamos para aumentar sua tensão. Se estiver muito apertado, revisitamos a trama e soltamos as amarras. É, vovó, finalmente, entendo quando a senhora dizia: não faço crochê. Faço vida.

Janaína