Três vozes, uma história

Desvendando narrativas através da fotografia e da astrologia

Diziam os antigos que, antes de nascermos, antes de atravessarmos o rio do esquecimento, nos é permitido escolher quem narrará nossa história. A maioria de nós escolhe um só narrador, embarca na travessia de Caronte e desce à Terra por um dos doze portais. Mas há almas que, seja por dúvida ou por destinarem-se a caminhos mais intricados, não se contentam com um único contador de histórias. Escolhem logo dois, três, talvez mais. E é assim com a Dani.

Suspeito que ela, com seu ascendente em Virgem, quis assegurar que nenhum detalhe escapasse. Por isso, escolheu não um, mas três Almútens — narradores —, incluindo a si mesma, para tecer sua história. E agora me pergunto: como três vozes coexistem ao contar a mesma vida? Cada uma traz sua versão? Competem entre si, defendendo suas verdades? Ou será que se alternam, cada uma assumindo o fio narrativo em momentos distintos?

A verdade é que a Dani tem três narradores: Mercúrio (ela mesma, a mãe e o trabalho), Júpiter (o pai, os relacionamentos e os amigos) e Vênus (as viagens, o estrangeiro, os oráculos e tudo que a sustenta). Cada um deles traz uma perspectiva única, um olhar que se entrelaça com os outros, mas nunca se confunde.

Mercúrio-Dani é movimento. Seu corpo não para, seus pés buscam deslocamentos, por menores que sejam. E, no entanto, há também um interesse profundo pelas raízes. Parece paradoxal, não? Alguém que ama tanto partir também desejar criar um lar. Mas talvez não seja. A casa 4, da ancestralidade, nos fala de onde viemos e para onde voltaremos. Uma alma errante precisa conhecer suas raízes para saber de onde partiu e para onde retornará. Mercúrio-Dani será a voz que narrará a volta para casa, o reencontro com o ponto de partida. Será ela quem fará o balanço da existência, separará os detalhes e plantará novas sementes.

Júpiter, por sua vez, vê a vida da Dani através das lentes dos relacionamentos. Para ele, ela ocupa a casa 10, o ápice do céu, o lugar do sucesso e do reconhecimento. Sua narrativa é tingida de admiração. Mercúrio está na 10 de Júpiter, no ponto mais alto, onde tudo brilha com maior intensidade.

Mercúrio e Júpiter falam daquilo que é familiar. Mercúrio é a voz que narra o cotidiano, os detalhes miúdos, o trabalho, a busca por reconhecimento e o retorno às raízes. Júpiter, por sua vez, vê a vida da Dani através das lentes dos relacionamentos. Juntos, Mercúrio e Júpiter contam daquilo que é conhecido, seguro, previsível — o chão que se pisa, as pessoas que se ama, os laços que se fortalecem.

E Vênus? Vênus fala do estrangeiro. Do que é estranho, distante, desconhecido. Vênus é a voz que narra as viagens, os encontros com o diferente, os estranhamentos que nos transformam. É ela quem conduz a Dani a lugares distantes, a culturas que desafiam suas certezas, a experiências que a fazem crescer. Vênus não entra na história — Vênus já está nela. É o agora. E aqui me surpreendo com a literalidade da Astrologia, pois Vênus é o planeta da concórdia, da harmonia, das artes, dos amores e da beleza. E não é surpreendente que alguém sob sua influência queira se ver retratada em uma sessão fotográfica? Há algo mais venusiano do que isso? Quando propus unir Astrologia e Fotografia, a Dani foi a primeira Vênus a erguer a mão. “Quero fotos artísticas e autênticas,” disse. E faz todo sentido: estamos falando de uma Vênus de fogo, uma Vênus em Sagitário, uma Vênus cavalar, que não teme se expor, que ama a liberdade e desafia convenções.

Gente sabor canela

Das especiarias, gosto da canela: intensa, amadeirada, quente.
Esta especiaria, uma das mais antigas do mundo, ingrediente de óleos, unções, perfumes e condimentos, motivou exploradores europeus a partirem para o Novo Mundo em sua busca.

Impossível ficar alheio ao seu olor ativo, abundante e inconfundível, ao seu sabor ardente, doce e delicadamente cítrico. Quem prova do seu travo agudo é imediatamente arrebatado por vontades primitivas.
Se fosse pessoa, seria daquelas de dormir com o nariz grudado na pele, sentindo seu aroma adocicado e ligeiramente picante. Uma pitada dessa gente já basta para marcar presença. Chegam com aquele ar misterioso do oriente, aquela tez solar, suavemente acastanhada, o olhar marcante e despretensioso… E por onde passam realçam o sabor do momento.
Pessoas sabor canela despertam o desejo de cruzar fronteiras e se lançar ao desconhecido em busca do encontro.

São Paulo, 07 de Junho de 2023

Lua em Aquário, Vênus em Leão: Oposição

Vilma,

Peguei uma gripe fortíssima. Dessas que a gente leva anos para se recuperar, sabe? O corpo todo padece: meus pés tropeçam e as pernas tremem, fraquejam, mal sustentam o corpo. De tempos em tempos é preciso parar, encostar em algo, respirar fundo, trazer o pensamento de volta ao lugar e aguardar a lipotimia passar.

No abdômen, espasmos e agitação. Uma sensação de urgência que desconcentra, desconcerta. O peito sufoca e, mesmo que a respiração seja profunda e cadenciada, o ar é insuficiente. O coração dispara do nada: sinto as batidas tão fortes que tenho a impressão de que um espectador mais atento conseguiria percebê-las através da minha camisa, que pulsa no mesmo ritmo.

Às vezes, me sobe um calafrio que me retesa os músculos, me arrepia a pele e me faz quase perder os sentidos. Sou refém de suspiros que chegam de propósito em momentos inadequados. E, na sequência, o corpo arde, de dentro para fora e de baixo para cima.

O olfato, por incrível que pareça, está aguçadíssimo: cheiros e lembranças de cheiros que me enchem de água a boca e nublam a minha visão. Engraçado, Vilma, que esses cheiros me lembram você, e só eu os sinto. 

E eles, os cheiros, vêm acompanhados da necessidade de satisfazer o paladar: Me demoro apreciando os aromas, as texturas, os gostos. E me pego lambendo lábios e dedos como que para esgotar os sabores.

E ouço uma voz, Vilma, a sua voz, que sussurra em meus ouvidos, tão real que posso te sentir o calor do hálito. Um sussurro que me atiça as partes inferiores e me tira a razão. 

São delírios que me desconectam da realidade e prejudicam meu desempenho no trabalho. Não posso mais suportar: já tomei paracetamol, antiinflamatório, antihistamínico, descongestionante; já fiz reza braba e macumba forte. Nada adianta, Vilma.

É realmente uma gripe fortíssima.

Lallo

São Paulo, 04 de Junho de 2023

Lua oposta ao Sol – Lua Cheia

Meu muito estimado amigo Nei,

Fiquei sabendo que está atravessando um duro período e venho me colocar à disposição, caso necessite de algo. Apesar de entender a necessidade do seu recolhimento, saiba que estarei aqui quando voltar. Você não precisa enfrentar as adversidades sozinho e é importante que saiba que não será o único a passar por etapas difíceis. Quem me vê assim, flanando pelo ar, cheia de mim, cintilante e colorida não sabe pelo que passei para chegar até aqui. Hoje, sei que a vida é feita de ciclos: alguns bons, outros mais desafiadores. Porém, é preciso superá-los com o entendimento de que são fundamentais para o nosso desenvolvimento. Nada acontece por acaso e ninguém cruza o nosso caminho em vão. Há momentos em que precisaremos nos encasular e, em outros, rogaremos por ajuda – movimento difícil, não é? 

O importante é que nós somos seres sociais e nos desenvolvemos na relação com os grupos, nos apoiando uns aos outros, sendo solidários. Hoje, meu amigo, eu posso oferecer ajuda, porque esta me foi oferecida quando precisei. Confie no que te digo, Nei, pois conheço o lugar de onde falo: até ontem, assim como você, eu era uma lagarta.

Sua amiga, 

Lilian

São Paulo, 30 de Março de 2023

Mercúrio conjunto a Baten Kaitos – A barriga da Baleia

Mamãe,

Não segui o seu conselho e me aproximei demais das margens. Não resisti ao chamado das águas revoltas, porém frescas. Tenho andado esquentado ultimamente e, às vezes, preciso de um refresco. O problema é que, hoje, ao me aproximar da margem, fui engolido por Cetus e encontro-me, agora, dentro da barriga do monstro. 

Aqui, o ar é rarefeito e malcheiroso. Há uma gosma ácida nas paredes. Estou juntando restos e pedaços de objetos para construir uma lança e furar o animal de dentro para fora e, assim, como num segundo parto, renascer. Enquanto isso, aproveito para repensar a vida. Agora vejo que andei sem paciência, com pressa não sei do que, de chegar a lugar algum. Esse tempo de gestação será importante para refletir.

Daqui de dentro, mãezinha, consigo ouvir o que se passa no fundo das águas. Há algo acontecendo. Dizem que, ainda hoje, o mal encontrará o mal e um grande pesar se abaterá sobre as águas. 

Cuide-se, minha mãe. Eu acredito estar a salvo nesta minha condição.

Esperando revê-la em breve,

Seu filho,

M.

São Paulo, 21 de Março de 2023

Lunação de Áries

Caros condôminos,

Venho, por meio desta, oficializar, conforme discutido em assembleia, pautas comuns a todos os conviventes desta pocilga.

Fica, então, estabelecido que:

  • As cantorias matinais devem começar pouco antes do nascer do sol e cessar até 6:35 da manhã;
  • A classe dos amarelinhos em treinamento terá prioridade na alimentação, devendo, para tanto, apresentar-se no comedouro às 11h40;
  • Às companheiras poedeiras, fica estipulado que os ovos do dia devem estar disponíveis até às 10h00, no máximo. Após a entrega das encomendas, as companheiras estão autorizadas a um breve descanso. Em seguida, devem encaminhar-se para os grupos de estratégias previamente indicados individualmente;
  • Os galos de briga continuarão isolados, sem direito a visitas, pelo menos por mais esta lunação. Pelo ódio que disseminaram e pelo estrago que fizeram, a pena será longa. Não voltarão ao convívio em sociedade tão cedo; 
  • Cabe ao síndico fazer cumprir as determinações supracitadas e decidir por situações não previstas em regulamento;

Lembrem-se: o cumprimento das regras garante a boa convivência para todos.

Sem mais para o momento, subscrevo-me

Legorne Gallus

São Paulo, 13 de Fevereiro de 2023.

Lua em quadratura com o Sol

Amada neta,

Meus ossos já não são tão fortes e meu corpo já não é tão ágil como eu gostaria. Os dias passam em câmera lenta e as lembranças sobrepõem-se umas às outras num looping infinito. A experiência é um peso que nos curva as costas e enfraquece os joelhos.

Sinto a desaceleração da vida a cada dia e no fim há a morte.

Mas a morte não é o fim. A morte é somente a devolução da matéria à sua origem. Matéria esta que será reciclada no ventre do mundo e animará uma nova existência. Assim, a vida se repete e ao mesmo tempo se diferencia.

Porém, não se engane, minha querida, imaginando que o fim está distante. O ciclo de vida-morte-vida acontece a tudo, a todos e o tempo inteiro. Eu mesma já morri em vida mais vezes do que posso contar. A própria Lua que nos observa do céu, cumpre este mesmo destino a cada mês. E a cada vez que renascemos, voltamos mais sábias. 

O recolhimento é necessário para que os saberes sejam assentados. Pois a experiência é a única coisa que levaremos conosco.

Antes de partir, quero deixar este conselho: tudo tem seu tempo e o tempo precisa ser respeitado. Procure entender qual é o seu, meu bem, ouça seu corpo, respeite seu ritmo, guarde os saberes. Assim, viverá uma boa vida e honrará a todas que vieram antes de você.

Da sua bisa, que te ama mais do que tudo,

O.

São Paulo, 26 de Janeiro de 2023

Vênus em Peixes

Carta aberta ao amor

Caro amor,

Há quanto tempo não nos vemos… Em que ponto da viagem nos perdemos?

Estou chegando cansada. Passei por caminhos secos e pedregosos, por uma fome entranhada, um desapego, uma desesperança. 

Mas agora que nos reencontramos, quero fazer um pacto contigo: enquanto eu estiver aqui, nas terras férteis de Júpiter, quero que me ofereças a matéria prima do autoamor.

Enquanto eu estiver nadando com os Peixes, prometo a mim mesma:

Cuidar mais de mim.

Ser mais gentil com meus defeitos, pois são eles que me fazem única.

Prometo me dar o direito de chorar, mesmo que o mundo queira que eu me cale. 

Prometo silenciar os pensamentos para voltar a ouvir o chamado da minha alma.

Prometo não mais me calar perante aqueles que exigem de mim coisas que nem eles são capazes de fazer. 

Prometo não aceitar mais quando pedirem que eu anule a minha vida em favor de quem pode fazer por si mesmo.

Prometo dançar mais.

Prometo ouvir mais podcasts e conversar mais com as amigas.

Prometo pedir colo e me deixar desabar, porque ser forte também cansa. Aliás, prometo não ser forte o tempo todo. Prometo descansar.

Prometo me cercar de pessoas que sejam, para mim, como espelhos amorosos, que me incentivem e me acolham.

Prometo ouvir mais o barulho das folhas nas árvores em dias de vento.

Prometo tomar banhos de chuva.

E andar de pés descalços.

Prometo a mim mesma visitar a menina que um dia eu fui e acolhê-la.

Direi a ela: “Eu vejo você. Nós conseguimos. Chegamos até aqui. Está tudo bem”.

Prometo olhar para o meu reflexo no espelho e dizer bem alto: eu te amo.

Prometo vestir as roupas que eu gosto, as cores que eu gosto, sem me preocupar com a opinião alheia.

Prometo rir de mim mesma e me sentir ridícula de vez em quando. Beber mais vinho, rir até a barriga doer, falar besteira, esquecer o celular. 

Porque, a partir de hoje eu só quero o que for leve, o que for recíproco, o que for de verdade. Só o que me faz bem.

Da sempre sua,

Vênus