São Paulo, 03 de Agosto de 2023
Adherbal,
Finalmente, comecei minhas aulas de lecanomancia, não sei se você já ouviu falar. É um tipo antigo de adivinhação que se dá por meio da observação do som produzido por metais e pedras preciosas quando jogados em bacias d’água. À primeira vista, os sons parecem todos iguais, mas, assim que conseguimos apurar os ouvidos, as diferenças se fazem presentes.
As pedras e os metais de diferentes tipos fizeram com que eu me lembrasse de você. Porque você, é claro, é minha grande referência quando ouço falar de pedras, preciosas ou não.
E, também, porque enquanto observava a ondulação produzida pela moeda de cobre jogada, pude ver meu reflexo no grande espelho formado pela superfície da água. E vi, em mim, qualquer coisa de você.
Como pode uma coisa tão pequena como uma moeda causar tamanho distúrbio e reverberação?
Como pode o peso das suas palavras ainda encontrar eco em meus pensamentos?
Às vezes, é justamente o peso que colocamos nas coisas, tentando estruturá-las, que as corrompe, não de uma vez, mas aos poucos, em sua reverberação silenciosa.
Sabe, é difícil, para mim, olhar-me no espelho e reconhecer que, apesar de todo meu esforço, não estou tão distante de você quanto gostaria: a mesma sobrancelha curvada, a mesma cova na bochecha, o mesmo redemoinho que faz o cabelo se partir do lado esquerdo… Enquanto me observo, penso que o futuro, ao fazer-se presente assim, neste reflexo, deve ter um senso de humor de péssimo gosto.
E que talvez seja esse, afinal, o sentido do verso do poeta Vinicius: “E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto / E em minha voz, a tua voz”.
Glaucio

