São Paulo, 06 de Março de 2023

Lua em oposição a Mercúrio

Pai,

Hoje deu saudade. 

Fui visitar o Jerê. Levantei cedo e fiz torta de frango. Cheguei antes do horário pra aproveitar o tempo com ele. Arrumei uma garrafa com café, uma toalha xadrez, uns biscoitos pra deixar pra ele e um maço de cigarros, porque não permitem mais de um.

Ele não pareceu feliz em me ver. Achei que podia estar aborrecido por alguma coisa que eu não sabia. Arrumei a toalha no chão, no canto do pátio, onde tinha sombra, e fui ajeitando as coisas em cima. Parecia um piquenique. Animada, falei pra ele sentar pra comer e conversar. Quando ele viu que a torta era de frango, ficou um tanto mais aborrecido. Disse que tinha pedido sardinha. Mas eu não lembrava. Ele comeu em silêncio, se lambuzando todo, porque a torta estava boa. Me senti muito culpada. Coitado, estava esperando pela torta. Me senti muito burra mesmo. 

O senhor tinha razão, pai, quando falava que eu era muito avoada, que não servia pra prestar atenção nas coisas. Jerê também fala isso. Se as pessoas falam, é porque deve ser.  

No finalzinho da visita, ele me disse que estava bravo, porque tinha pedido visita íntima, mas o guarda não autorizou. E que, por isso, até perdeu a vontade de me ver. E, depois, a torta…

Coitado. Eu falei pra ele que vou levar torta de sardinha da próxima vez. Ele disse que não precisa, que nem vai esperar, porque eu vou esquecer mesmo. Mas eu prometi que não esqueço.

Jerê me lembra muito o senhor, não sabe disfarçar quando está zangado. Fiquei olhando pra ele, amuado, olhando pro nada, me lembrei de quando era pequena e o senhor e a mamãe brigavam. É difícil estar sozinha no mundo, pai.  

Quando deu o horário de ir embora, Jerê se virou e entrou no prédio. Me deixou sozinha, juntando as coisas. Nem um abraço, nem um aceno…

Como que eu não lembrei que ele tinha pedido sardinha?

F.

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