São Paulo, 18 de Março de 2023

Mercúrio nos últimos graus de Peixes

Rob,

Você sabe que não sou fã de esoterismos e teorias good vibes, não é? Porém, ontem, passei por uma experiência no mínimo curiosa, que começou pela manhã. Um sentimento de plenitude foi se apoderando do meu corpo, numa toada crescente de purificação que durou até o começo da tarde. Foi como se uma luz tomasse o lugar do sangue em minhas veias, me percorrendo inteira e causando um relaxamento tão intenso que realmente tive a impressão de ser inundado por algo divino. Ao mesmo tempo, tive uma clareza tão absurda dos meus pensamentos que podia vê-los nadando ao meu redor, como se eu estivesse mergulhado neles. E eles eram tão nítidos que eu quase podia tocá-los. 

Atropelavam-se, empilhavam-se e fundiam-se, formando novos contornos e nuances. Alguns seguiam pela superfície, brilhantes, camuflando outros, mais densos e profundos, que apareciam, às vezes, vindos das minhas próprias entranhas, voltando a mergulhar logo em seguida. As ondas dessa dança de mergulhos profundos e nados superficiais davam origem a outras, como crias indisciplinadas seguindo seu rumo, sem se importarem com padrões pré-determinados.

No passo dessa dança desordenada, ora aqui, ora ali, um pensamento desgarrado escapava, escorria-me dos olhos, passeava, faceiro, pelo meu rosto, contornava meus lábios e caía como um tiro em meu peito. Um tiro certeiro, direto no coração.

Com o impacto, o coração e o pensamento se congelavam por uma fração de tempo e caíam em lados opostos. O coração logo se recuperava, pois, como um tambor, está acostumado aos golpes da vida. Já o pensamento, frágil e inconsequente, seguia fraco e atordoado. O coração, então, com todo o cuidado, resgatava-o em seus braços, aquecia-o e envolvia-o de amor, carinho e compreensão. 

E, assim, tomado de ternura e calor, sentindo profundamente o pulsar cordial, aquele pensamento fortalecia-se e podia seguir seu destino: o de ser comunicado, mas, agora, cheio de afeto e filtrado pelo coração.

Isso é um pouco do que consigo explicar, pois a experiência toda tem lugar no indizível.

Você acha, amigue, que eu devo me preocupar?

Com afeto,

Alba

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