São Paulo, 25 de Julho de 2023
Carlos,
Enquanto tomava meu café pela manhã, encostada à porta da cozinha, pude observar, com calma, o meu jardim. Já fazia muito tempo que eu não o encarava com franqueza e percebi que a grama já não está tão verde. A árvore do canto, perto da cerca, perdeu quase todas as folhas e está com uma aparência triste, desolada. As flores dos canteiros desapareceram. E, do lado esquerdo, aos pés da treliça com as trepadeiras, há algumas poças de água paradas e malcheirosas. Aliás, até as trepadeiras estão despencando, Carlos.
Foi um café demorado, o de hoje, com gosto de amargura, e que desceu com dificuldade pela minha garganta. Mas sabe o que mais me incomodou durante a minha observação? O silêncio. Onde antes se ouviam cantos de pássaros em profusão, zumbidos de insetos diversos, hoje, não se ouvia um pio. Silêncio.
Onde está o meu jardim, Carlos? Para onde foram os pássaros e os outros insetos? Onde foi que eu me perdi, que não percebi as folhas secando, a relva perdendo o viço, a terra se tornando lama?
E é, também, incrível que, ao contrário do que acontece aqui, o seu jardim, Carlos, cresce vigoroso, altivo, confiante e até imprudente, pois andei percebendo o desejo dele de se alastrar para as terras vizinhas. Difícil evitar a comparação, visto que também percebi que o tempo dos jardins é o mesmo tempo da nossa relação.
Portanto, decidi fazer uma grande faxina nos meus domínios: jogar fora tudo o que apodreceu, tudo o que ficou pelos cantos esperando atenção, todas as folhas que se afogam nas poças lamacentas, todos os sentimentos travados na garganta. Cortarei as ervas daninhas pela raiz e plantarei novas flores. Darei chance a novas sementes. Abrirei espaço para outras árvores, frutíferas, quem sabe, que me forneçam sombra e alimento, descanso para o corpo e para a alma.
Precisamos conversar, Carlos. Até mais tarde.
Celine

